quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A atribulada infância de Jesus (Parte I)

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A Sagrada Família regressou do Egipto, logo isso compreende uma ida ou, neste caso, um Fuga. Começou com o Massacre dos Inocentes, quando Herodes manda matar todas as crianças do sexo masculino dos dois anos para baixo. A Bíblia oferece apenas umas breves linhas do que aconteceu, nos Evangelhos canónicos: “Levanta-te, toma o Menino e sua mãe e foge para o Egipto” (Mt, 2 13-14). Contudo, são os Apócrifos que vão contar detalhadamente todos os passos desta jornada. Um Anjo revela-se num sonho a José acerca da ira e da maldade de Herodes. Eles partem. Nesta fantástica viagem acontece uma série de peripécias onde Jesus revela já a sua vinda messiânica através da concretização de alguns milagres. Um outro Evangelho Apócrifo,  o Evangelho árabe da infância XXVI, 1 diz que "E ao cumprir-se os três anos, retornou do Egipto.” (…) E é aqui que reside toda a beleza desta história. Os apócrifos relatam que no momento da Fuga Jesus teria dois anos e quando se deu o Regresso haviam passado três. Dá-nos assim cinco anos.
O Regresso, indo de encontro ao que os Apócrifos contam representa a criança perto dos cinco anos de idade, que caminha junto dos seus pais que o conduzem.
Vemos aqui o Menino Jesus já crescido que caminha de forma graciosa, sempre levado pela mão de sua mãe que em momento algum se afasta dele. José também os acompanha. Traz numa das mãos os intrumentos de trabalho e na outra puxa uma jumentinha - que foi usada duranta a Fuga. As suas botas e chapéu parecem mostrá-lo como um peregrino em viagem. Ao fundo vemos ficar para trás a paisagem fantástica do Egipto na forma de árvores exóticas, como palmeiras.
E o resto ficará para um próximo post: a Fuga e o Descanso na Fuga. Assim compreenderemos melhor certos detalhes iconográficos que são marcantes para distinguir os três programas iconográficos.
Esta representeção, do Regresso e somente esse, recebe também o título mariano de Nossa Senhora do Desterro.

Escola Flamenga, Regresso da Fuga para o Egipto, c. 1640, 

domingo, 3 de julho de 2016

Fonte da Graça

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A iconografia do Paraíso deriva directamente da iconografia do Jardim do Eden. Na arte paleocristã a água, uma fonte ou umas nascente, é umas das características principais para a criação da ideia do Paraíso. Para ambos, o  jardim terreno e o Paraíso celeste, a água é uma presença fundamental: a nascente que emana no Jardim do Eden simboliza a vida eterna; é uma fonte inesgotável e um símbolo de renascimento. Por este motivo, a imagem do Paraíso tem quase sempre incluída uma fonte de onde nascem os quatro rios do paraíso ou uma larga bacia que contém a água da vida de onde os animais, simbolizando os crentes, que saciam a sua sede. Com o passar do tempo a imagem da bacia ou da nascente deu lugar á fonte, representada no estilo arquitetónico e decorativo da época. Graças também à popularidade do Cântico dos Cânticos, a imagem da fonte num jardim fechado e isolado, disseminou-se largamente na Idade Média.

Nesta representação, as três figuras no nível mais elevado, a virgem à esquerda, o Cristo entronizado ao centro e São João à direita compõem a Deesis. Cristo em Majestade usa vestes papais, sentando num trono com representações dos Evangelistas e dos profetas. Entre os seres humanos e o divino, a meio da composição, estão anjos músicos e cantores. Tal como nas representações paleocristãs o cordeio místico é colocado sobre a fonte da Graça. Uma fonte, em estilo gótico final, recolhe a água que flui debaixo do trono de Cristo, tendo dois grupos que circundam a fonte: á direita de Cristo a Cristandade está representada na figura do papa ajoelhado junto da fonte, juntamente com outras figuras do clero e devotos. Na esquerda vemos a representação do Sumo sacerdote, vendado, que representa a Sinagoga.

Jan van Eyck e assistentes, A Fonte da Graça, 1423-25, Madrid, Museu do Prado

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Wilgefortis, a Santa barbada

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A história que envolve esta alegada virgem e mártir de tão insólita que é chega a causar alguma confusão, sendo resultado da combinação de várias lendas, que o imaginário popular tratou de unir. Primeiro, o próprio nome, Wilgefortis ou Wilgeforte – virgem forte, oferece-lhe um nome que nasceu associado à sua lenda, embora em diversos países recebe um sem número de nomes. Esta santa não raras vezes é associada como sendo santa Liberata, uma das irmãs de Santa Quitéria (a explicar num próximo post), que terá recebido o martírio às mãos do próprio pai. A lenda coloca-a em Portugal. Ou melhor, no território atualmente português, na zona de Braga. Senda a jovem de atraente feição o seu pai, que seria um rei de nome ??? tê-la-á prometido em casamento a um rei da Sicília ao qual Wilgeforte, desesperada, não sabia como fugir, pois não desejava aquele matrimónio. Orou assim a Deus pedindo que a tornasse tão feia e repugnante que homem mais nenhum havia de desejá-la. Como resposta ao seu pedido, cresceu-lhe uma farta e hirsuta barba que lhe deu feições masculinas. O rei, ao conhecê-la achando que zombavam dele por tamanha afronta, pôs fim ao acordo. O pai da santa ao vê-la e podendo explicar aquele insólito feito como obra de feitiçaria, mandou crucificar a própria filha, da mesma forma como havia morrido aquele a quem tanto amor devotava.

Iconograficamente apresenta-se vestida como uma jovem mulher tendo por vezes o arminho aos ombros, de cabelos longos e barbada e estando sempre já crucificada.  
A sua festividade é a 20 de Julho e tem como padroado o poder de desfazer casamentos indesejados, como não poderia deixar de ser. 

Santa Wilgeforte, Livro de Horas usado em Sarum (Salsbury), séculos XV ou XVI.

domingo, 8 de maio de 2016

O martírio de Santa Úrsula e das 11,000 Virgens

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Ontem no blog falávamos sobre a chegada das relíquias de Santa Auta a Lisboa e que esta Santa, tão pouco conhecida, se encontrava conectada a uma outra de enorme impacto na Idade Média quando se terá descoberoa, por volta do século VIII, um cemitério em Colónia com um grande número de ossadas de jovens mulheres a quem imediatamente associaram a Santa Ursula e às suas companheiras. Esta história foi de novo relatada no século X e, mais tarde e com muitas adaptações, recontada na famosa Legenda Áurea (Lenda Dourada) de Jacoppo da Varazze. Ursula seria filha de um rei da Bretanha, cujo nome acarreta algumas dúvidas, e que foi prometida em casamento a um jovem príncipe pagão. Primeiro terá recusado mas, obediente, decidiu aceitar impondo, antes do casamento algumas condições:
1º: O príncipe deveria fornecer onze Damas de Companhia, virgens e de sangue nobre para suas acompanhantes e, para cada uma delas, mil assistentes também elas virgens e todas de condição cristã.
2º: Antes de casar queria, nos três anos que pediu, fazer uma peregrinação aos Lugares Santos e assim poder visitar as relíquias dos mártires. Nesse tempo esperava que Conan desistisse do acordo ou se convertesse. Partiu assim com as suas companheiras parando em Roma, onde foram abençoadas pelo Papa Síriaco que tomou a resolução de as acompanhar. No regresso, passaram por Colónia mas a cidade encontrava-se sitiada pelos hunos que massacrassem as Onze Mil Virgens. Úrsula, que havia sido poupada pela sua beleza por Átila, foi martirizada a flechas por ter recusado casar com este.
A lenda caiu em desuso e Santa Úrsula foi retirada do Calendário Romano Geral por causa da história ser fortemente lendária (mas todas o são :P), mas foi mantida no Martirológio. A basílica onde estaria sepultada consta como sendo do século V mas não específica o número de mártires, confusão que surge já na idade Média quando a lenda de espalha. A abreviação XI. M. V., ou seja "onze virgens martirizadas" teria sido lida como "onze mil" em algarismos romanos, é uma das explicações.
É representada com vestes reais e coroada, entre os seus atributos estão a palma do martírio e as flechas com que foi martirizada. Um estandarte branco com a cruz vermelha como símbolo da vitória e o barco.
É padroeira das jovens, dos estudantes, órfãos e dos arqueiros (Bem como da Inglaterra e de Colónia). 
A sua festa realiza-se a 21 de Outubro



Santa Úrsula e as 11,000 Virgens, Grandes Horas de Ana de Bretanha, Jean Bourdichon, Tours ou Paris, 1503-1508.

sábado, 7 de maio de 2016

Chegada das Relíquias de Santa Auta ao Convento da Madre de Deus

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A pintura que podem observar abaixo representa o momento da chegada das relíquias de Santa Auta ao Convento da Madre de Deus. O que vemos é uma das tábuas pertencentes ao um políptico intitulado de "Retábulo de Santa Auta" de autor desconhecido. Mas quem foi Santa Auta?
Auta seria uma das jovens que estaria no séquito de Santa Úrsula e das Onze mil Virgens, Na verdade na lenda de Santa Úrsula, Auta é referida como filha de Quinciano, rei da Sicília e de St Gerasina, tendo Úrsula por prima. Juntamente com as suas três irmãs, as santas Balbina, Juliana e Vitória, acompanhou a prima na fatal viagem que culminou no massacre das Onze Mil Virgens (a lenda de Santa Ursula e das 11.000 virgens ficarà para um post futuro).
Ora era a Rainha D. Leonor, viúva de D. João II, muitíssimo devota destas santas pelo que solicitou ao imperador Maximiliano I, do Sacro Império Romano-Germânico e primo da rainha, relíquias das mesmas, pois a lenda situa o martírio em Colónia. Este enviou-lhe o corpo de Santa Auta que foi encerrado num cofre de madrepérola e recebeu todas as exéquias a 2 de Setembro de 1517, quando as mesmas deram entrada no Mosteiro da Madre de Deus em Xabregas.
Pelo facto de ser princesa tem, além do seu nimbo, uma coroa e vestes riquíssimas. Tem, a par de Santa Ursula, por atribulo as flechas como instrumento do seu martírio.


Mestre do Retábulo de Santa Auta(desconhecido), Chegada das relíquias de Santa Auta ao Mosteiro de Madre de Deus, 1520-1525, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

Lamentação sobre o Cristo Morto

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O pé da cruz é reconhecido pela presença iconográfica da caveira na margem da pintura. Seguindo o costume iconográfico, Nicodemus carrega as pernas de Cristo nas cenas da Lamentação e Deposição, enquanto José de Arimateia suporta os ombros de Jesus; Maria Madalena volta-se como que para evitar olhar o corpo ferido de Jesus e no chão uma jarra de unguento- o seu usual atributo iconográfico- encontra-se ao seu lado assim como os cravos, o martelo e as tenazes. João, juntamente com a ajuda de uma mulher amparam Maria, que desmaiou e apoiando a cabeça de Jesus José ajuda a colocar Cristo no lenço que lhe servirá de sudário.


Petrus Christus, A Lamentação, ca. 1450, Bruxelas, Real Museus das Belas-Artes.

O caminho para o Calvário

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O grande sucesso iconográfico do Caminho para o Calvário é desproporcional com as pequenas notas deixadas pelos Evangelhos, derivando os seus episódios de tradições extrabíblicas.
Antes da formulação das Estações da Cruz - a Via Crucis - que identifica os últimos momentos da vida de Jesus passo a passo - o caminho para o Calvário ( Via Dolorosa) foi um dos temas que mais estimulou a imaginação dos fiéis e dos artistas. A narrativa dos Evangelhos é precisa mas muito escassa em detalhes, excepto com as mulheres que choravam e a presença de Simão de Cirene. Contudo, começando com o apócrifo de Nicodemus o número de figuras e lugares são adicionados. A mais famosa figura não-bíblica é a Verónica que supostamente enxugou a face de Jesus e reteve a sua imagem no pano - a vera icon. É muito provavél que Maria tenha estado presente, contudo ela não é mencionada nos Evangelhos, mas é quase sempre incluida nas representações, devastada de dor. As três Quedas de Jesus sob o peso da cruz também não estão incluidas nos Canónicos, mas tornaram-se mais tarde "Estações" da Via Crucis. É um programa iconográfico muito espalhado, resultado do seu desenvolvimento, começado no século VIII-X, depois da instituição das Estações da Cruz.


Giovani Cariani, Caminho para o Calvário, c. 1519, Pinacoteca Ambrosiana, Milão.

As tentações de Santo Antão

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A principal causa para a inclinação do Homem para o pecado é pela acção do Demónio. A interpretação cristã do Genesis reconta a Queda do Homem e a sua expulsão do paraíso terreste, consequência do pecado original, cometido como resultado da fraude cometida pelo diabo em relação a Eva. Gradualmente, a representação da tentação, começa a tornar-se limitada a certo episódios da vida de alguns santos que eram invocados precisamente porque suportaram terrivelmente os enganos e as tentações.
De todos os seres diabólicos que tentam e torturam Santo António, na pintura, aquele representado com chifres brancos e asas de morcego é o que melhor representa a imagem do mesmo no imaginário popular. O livro das sagradas escrituras é a força que ajuda a vencer a tentação: por este motivo um dos demónios, de rosto feio e contorcido, tenta roubar o livro do santo. Ao fundo, na paisagem, os olhos de um demónio aparentemente parecem supervisionar os esforços para distrair o santo do ascetismo e oração.

Matthias Grunewald, As tentações de Santo Antão, 1512-16, Colmar, Museé d'Unterlinden.

Santa Apolónia

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De acordo com uma carta de São Dinis, bispo de Alexandria, Egipto, para o bispo Fabiano de Antioquia, Apolónia era uma idosa diaconisa de Alexandria que sofreu o martírio no ano de 249 D.C. Na sua carta, Dinis descreve a perseguição aos cristãos sob o comando do emperador Filipe. Durante um motim os cristãos foram arrastados e mortos depois de verem todos os seus pertences serem levados. Apolónia estaria entre esse grupo de pessoas; A sua mandíbula foi partida e os seus dentes arrancados; mas o seu sofrimento não ficou por aqui: ela foi levado para o centro da cidade e obrigada a proferir blasfémias ou ser queimada viva. A mulher terá pedido um momento para decidir, durante o qual, subitamente, se atirou contras chamas. A sua personagem foi confundida mais tarde com uma outra Apolónia, que morreu em Roma durante as perseguições de Juliano, o Apostata. As imagens da idosa diaconisa rapidamente desapareceram sendo trocadas pelas de uma jovem mulher com tenazes, sugerindo que os seus dentes foram extraídos. O seu culto espalhou-se rapidamente pelo ocidente logo após o seu martírio.
É patrona dos dentistas e é invocada contra as dores de dentes porque a sua mandibula foi quebrada e os dentes extraídos e porque a sua lenda conta que, antes de morrer, prometeu ajudar todos os que sofressem de dores de dentes.


O martírio de Santa Apolónia, Jacob Jordaens,

Nossa Senhora das Mercês

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Um título Mariano nascido de uma aparição que inspirou a criação da muito antiga Ordem dos Mercedários. São Pedro Nolasco foi o seu fundador e nasceu Mas-Saintes-Puelles perto de Toulouse, em França por volta do ano de 1180 mas sabe-se que na sua adolescência habitava na cidade de Barcelona. Ali vivia profundamente afectado pela miserável condição em que viviam os cristãos captivos pelos mouros, tornando-se assim em mercador para melhor conseguir integrar-se no mundo muçulmanos da época, chegando a gastar do seu próprio dinheiro, em Valência, para conseguir a libertação de trezentos escravos. Durante a noite de 1 de Agosto de 1218 recebeu uma visão de Maria sugerindo que fundasse uma ordem religiosa devota ao resgate de escravos. Imediatamente foi visitar Jaime I, rei de Aragão, e ao seu confessor, D. Raimundo de Penaforte, que lhes terá manifestado que também receberam a mesma visão . Desta maneira a Ordem foi fundada a 10 de Agosto de 1218 com o nome de Ordem de Nossa Senhora das Mercês: adoptou o hábito branco, símnolo da pureza de Maria, o escudo de Aragão, pela protecção e patrocínio oferecido pelo rei e a cruz branca da catedral de Barcelona, lugar onde se constituiu formalmente a Ordem. Em 1272, a Ordem recebeu o nome de Santa Maria das Mercês, derivando da expressão de Afonso X, o Sábio(1221-84) "salvar cativos é uma grande obra de misericórdia".
O escapulário que costuma estar representado na mão de Maria com o mesma cruz da Ordem e que entregou a São Pedro Nolasco, representa a Sua protecção oferecida aos cativos. Também é comum a representação da corrente pois que a Ordem dos Mercedários tinha como objectivo a libertação dos cristãos submetidos pelo poder muçulmano na Peninsula Ibérica. O seu manto aparece aberto como sinal da sua protecção que mais tarde também se estendeu a mercadores e marinheiros.


josé luis gil - Nossa Senhora das Mercês (data e local de produção e/ou exposição desconheço)

Serafins e Querubins

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Os Querubins e os Serafins são as duas classes mais altas de anjos na hierarquia celestial. Não são, estrictamente falando, anjos no sentido etimológico da palavra - mensageiros - uma vez que se mantêm sempre ao redor do trono de Deus. São génios emprestados da mitologia babilónica; Tal como as nuvens protegem a morada da divindade, as suas asas aneladas formam uma capa protectora ao redor da Arca da Aliança. Serafins e Querubins diferenciam-se pelo número de asas: os primeiros apresentam seis asas, são hexapteros, enquanto que os segundos têm apenas quatro. Inspirou-se esta iconografia na passagem de Isaías 6:2: "Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés, e com duas voavam." Destinguem-se ainda pela cor; os serafins são vermelhos como o fogo e os querubins azuis como o céu

Anúncio da morte da Virgem

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De acordo com o Pseudo-José de Arimatéria, um Evangelho Apócrifo, quando Jesus ainda era vivo Maria pediu-lhe para ser avisada da sua morte nos três dias anteriores ao acontecimento, vários anos após o Pentecostes. Também a Legenda Aurea reproduz este momento em que, de acordo com a promessa de seu Filho, um anjo aparece-lhe e anuncia-lhe que estará próximo o momento de voltar a reunir-se com Ele e entrega-lhe a "palma mortis",da palmeira do jardim do Paraíso. O arcanjo mensageiro deixa de ser Gabriel para passar a ser Miguel, o anjo da morte e do Juízo Final e que defenderá os justos nesse mesmo momento. Maria, inquieta, pede-lhe que proteja a sua alma dos artifícios do demónio e o anjo promete-lhe que a palma que lhe entregou, levada diante do seu féretro, a tornará imune. Não resta dúvida alguma que este tema foi inspirado na passagem do apócalipse, onde se fala da mulher ameaçada pelo dragão e que se encontra protegida pela lança de São Miguel. Iconograficamente é um tema pouco repetido por uma simples razão: poderá, muito facilmente, ser confundido com o momento da Anunciação do nascimento de Jesus. Contudo, existem alguns elementos que permitem identificar entre uma e outra; aqui Maria tornou-se numa mulher idosa e leva a sua cabeça coberta: já não é mais a jovem da Anunciação. Também o objecto do anjo que seria um ceptro ou lírio deu lugar à palma.


Escola Inglesa, A Anunciação da morte da Virgem, Saltério Hunteriano, miniatura, c. 1170, Glasgow

Descida ao Limbo

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Ainda que existam referências bíblicas, este tema procede fundamentalmente das Actas de Pilatos (17-27, s.II). Conhecido como a descida ou inferno podem também chamar-se de Descida ao Limbo, lugar do Hades onde estão presos os justos, que esperam a chegada do Redentor. A arte bizantina represntou este tema com acentuada frequência, pois a descida aos infernos ou Anástasis era uma das doze grande festas de ano. As representações ilustram as primeiras palavras do capítulo 24: "Enquanto assim apostrofava no Inferno a Satanás, estendeu a sua dextra o Rei da glória e como ela tomou e levantou o primeiro pai, Adão." Pelo chão espalham-se os pedaços das portas do inferno. Jesus carrega a bandeira da ressurreição, a cruz ou o báculo crucifero; seja qual for o caso é o símbolo da sua vitória sobre a morte. "Então todos os Anjos de Deus rogaram ao Senhor que deixasse nos infernos o sinal da Santa Cruz, signo da vitória, que que os seus perversos ministros no conseguissem reter nenhum não-culpado a quem o Senhor tenha absolvido. E assim se fez; e pôs o Senhor a sua cruz no meio do inferno, que é sinal de vitória por toda a eternidade." (cap. 26). O triunfo sobre o mal assinala-se com o diabo vencido aos seus pés, ou preso debaixo das portas do inferno. A iconografia do infero foi imaginada de diversa formas; na iconografia medieval é frequente a imagem de uma gruta rodeada de monstros, ou de uma grande boca aberta, permitindo a saída dos santos. Essa boca infernal faria alusão ao monstro marinho que manteve Jonas no seu ventre durante três dias, pré-figuração para a Descida ao Limbo.


Descida ao Limbo - detalhe, Bíblia de Ávila, século XIII

A escada de Jacob

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O episódio da escada de Jacob, retratado no Génesis 28:12, mostra-nos Jacob com a cabeça apoiada sobre uma pedra - betila que significa pedra sagrada de Betel - que lhe servia de almofada e, sonhado sob o céu estrelado, viu em sonhos uma escada apoiada sobre a terra cujo topo alcançava o céu: nessa escada Jacob via os anjos que a subiam e desciam. Bet-el ou Betel que significa "casa de Deus" é uma sobrevivência do culto das pedras sagradas ou litolatría, de que o Antigo Testamento mostra inúmeros exemplos.
Segundo Honorio de Autum, os quinze degraus da escada que Jacob vislumbrou representam as virtudes. Os Anjos que ascendem representam a vida comtemplativa e os que descem, a vida activa. Jacob que dorme sobre a pedra é prefiguração de São João Evangelista que dorme encostado a Cristo enquanto decorre a Última Ceia e vê os segredos do céu.


Escola Francesa, A Escada de Jacob, século XV, Museu do Petit Palais, Avignon

A mão de Deus - Dextra

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O símbolo mais antigo de Deus Pai, é uma mão radiante que sai de uma nuvem. Porque se escolheu a mão como hieróglifo de Deus? Porque a palavra hebreia "iad" significa "mão" e "poder"; em estilo bíblico, "Mão de Deus" é sinónimo de poder divino. A mão da justiça que os reis têm como insígnia de sabedoria, com o globo e o ceptro, é uma sobrevivência desta muito antiga tradição. Esta mão é sempre a direita, a destra (Dextra), que por ser a mais forte tem proeminência. Quando está coberta por uma manga denomina-se dextrocero.
Para significar que se trata de uma mão divina não só apresenta dimensões colossais como está também rodeada por um nimbo cruciforme. Às vezes projecta um raio de luz triplo, em alusão à Trindade ou aparece surgido de uma fonte de relâmpagos. Em alguns casos, a mão de Deus faz um gesto de preensão ( por exemplo na Ascensão de Cristo ao céu), de benção, de comando ou de ameaça: é uma mão a falar que tradu o pensamento e a vontade do Senhor.
Na iconografia do Antigo Testamento as principais cenas onde figura são: A oferenda de Abel e Caim, a ordem de Noé de construir a Arca, o Sacrifício de Isaac onde interveio para deter a mão de Abraão, a entrega a Moisés das Tábuas da Lei, no Sinai e o arrebatamento do profeta Ezequiel.


Mestre de Taull, Fresco de São Clemente de Taull - mão de Deus (detalhe), cerca de 1123, Museu Nacional de Arte da Catalunha,

O casamento místico de Santa Catarina

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Num manuscrito latino escrito em 1337, é narrado um dos episódios de maior repercussão iconográfica da vida de Santa Catarina: relatada na Legenda Aurea, é contado que a mãe de Catarina seria cristã antes de filha se converter. Chegou o tempo de Catarina ser dada em casamento, ao que se recusou alegando que teria recebido a visita de uma rainha que lhe fez uma proposta muito melhor: o seu Filho, o mais belo e poderoso rei jamais visto na Terra. A Rainha é a Virgem que oferecia o seu filho como noivo. Catarina aceitou, mas como ainda não havia firmado a sua fé, terá recebido a visita de um ermita que lhe deu ofereceu uma imagem de Maria com o Menino Jesus, que encantou tanto Catarina, que pediu a Maria que lhe mostrasse o seu Filho. Nessa mesma noite, os dois apareceram diante da Santa, mas o Menino recusou-se a voltar o seu rosto para ela, porque apesar de bela e culta, ainda não a considerava preparada para vê-lo. Catarina voltou a receber o magistério do ermita e de novo, à noite, apareceu-lhe a Virgem com o seu Filho que, nesta ocasião, se mostrou disposto a mostrar o rosto e achou ,desta vez, tanta perfeição nela que quis tomá-la como esposa perpétua. Então a Virgem tomou a mão de Catarina e o Menino Jesus colocou-lhe um anel no dedo, símbolo do desposório místico que acabara de acontecer. As imagens do casamento começaram a surgir por volta do século XV, muito provavelmente porque o seu atributo principal, a roda, na maioria das vezes era representado tão pequeno que se confundiu e acabou por tornar num anel, originando o aparecimento desta iconografia. Santa Catarina surge sempre com coroa e riscas vestes de princesa, demonstrando a nobre que era. Enquadrados por uma rica arquitectura estão também a Virgem que, após a conversão de Catarina pelo ermita, apresenta o seu Filho para que se realize o desposório eterno.


(c) Brighton and Hove Museums and Art Galleries; Supplied by The Public Catalogue Foundation

São Miguel, o psicopompo

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Segundo Kunstle, foi através de um erro que se reconheceu como São Miguel o anjo que pesa as almas no Juízo Final. Confundiu-se condutor das almas com pesador das almas. O erro veio da representação de um anjo anónimo que vigia a balança, armado com uma lança ou uma espada para afastar o demónio, que substituiu a mão de Deus ou ao Cristo Juíz. Chegou-se à conclusão que se tratava de São Miguel. A prova que na Idade Média se identificava São Miguel com o pesador das almas é o facto de ser padroeiro dos pesadores (em casas da Moeda). Por adição é fácil citar um sem número de obras românicas e góticas em que o pesador das almas é, sem dúvida, São Miguel. O certo é que São Miguel foi ,inicialmente, considerado o condutor e guia das almas (psicopompo) porque havia disputado com Satanás a alma de Moisés; posteriormente foi-lhe atribuida a função de pesador das almas no Juízo Final. Às vezes a balança encontra-se suspensa na mão de Deus que surge de uma núvem. São Miguel está ali somente para par vigiar o prato direto e receber as almas dos justos enquanto que, em frente, o demónio tenta forçar a balança e incliná-la para o seu lado. Contudo, o mais normal é que São Miguel segure na balança. Depois de Cristo é a personagem mais importante do Juízo Final. Por vezes é possível ver a nestas representaçõe, junto ao arcanjo, a virgem misericordiosa inclinando a balança a favor de uma alma que implora segurando um rosário. Nesta composição vemos São Pedro, descalço e de barba, a receber uma alma que um anjo, em posição reverente lhe apresenta e pela qual suplica. A belíssima entrada para o céu apresenta-se como uma torre dourada.


Mestre de Soriguerola, Frontal de São Miguel - detalhe, século XIII, Igreja Paroquial de Sant Miquel de Soriguerola,

Juízo Final

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De acordo com várias premonições bíblicas do Juizo Final, antes do Apocalipse os mortas ressuscitarão. Aí os justos irão começar a sua vida eterna no reino de Deus, enquanto que os condenados serão sentenciados ao sofrimento eterno no Inferno. Obviamente, a Virgem aparece nestas composições ao lado de Cristo como o elo de ligação entre Deus e os homens. De facto, é importante notar que ela é geralmente representada com olhar doce para as almas dos eleitos no reino celestial enquanto Cristo olha severamente, por vezes duramente, para aqueles que descem para o fogo. Até mesmo os Santos e os eleitos, perfeitamente colocados à volta da mãe e do Filho, esperam ansiosamente para escutar o veredito. O Juizo Final será um tempo de reconciliação entre Deus e o Homem quando o pecado original - trazido para o mundo por Eva - é redimido diante de toda a Sagrada Família, a Trindade com a Virgem Maria. No Juizo Final a preocupação não será com as ações de cada homem ou mulher em particular, mas com de toda a raça humana. Segundo Mateus: "Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória." Diante de tanta grandeza Maria permanece pela humildade, graça, fé e esperança cristãs. Ela é a encarnação da Arca da Aliança entre Deus e os Homens,


Stephen Lochner, O Juizo Final, cerca de 1435, Museu Wallraf-Richartz, Colónia

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O Paraíso

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No século XIV, influenciado pela Divina Comédia de Dante, os artistas começaram a criar imagens do Paraíso como uma sequência de círculos concêntricos, também chamados de coros celestes, rodeando o núcleo que contém Jesus. Este último é representado dentro de um escudo dourado, assistido por um Serafim, os anjos que estão mais próximos de si. Abaixo do Filho, no centro das hostes celestes, está uma grande figura de Maria coroada no interior de uma mandorla dourada. Está em posição orante, confirmando a sua aceitação do plano redentor de Deus, no instante em que foi escolhida para ser parte do plano divino D'ele
Imagens do Reino Celeste começam a aparecer na Idade Média em conexão com o Juízo Final e são um tema frequente em frescos decorando interiores de cúpulas, ábsides das abóbadas e a parede fundeira de igrejas e capelas. Enquanto que as imagens iniciais representavam um maravilhoso jardim rodeado por uma exuberante vegetação, os posteriores sublinham a paz e a harmonia de um mundo povoado pelas almas dos eleitos. A rígida hierarquia de anjos e santos e a perfeita simetria das composições são destinadas a transmitir o sentido de calma intrínseco aos lugares sagrados.

Giusto de' Menabuoi, Paraíso, 1375-76, Baptistério, Pádua.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Epifania

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Os presentes na Epifanina são três, o que levou a sugerir o número de personagens: Melchior, rei dos Persas, Baltasar, rei dos indíos, e Gaspar, rei dos Árabes. Foi estabelecida uma ligação entre o facto de que os reis se deslocaram a Belém com preciosos presentes, acompanhados de uma comitiva, e de etiquete diplomática, que exigia a prestação de uma homenagem. Os presentes dados pelos Magos a Cristo foram ouro, um símbolo da sua realeza, incenso, símbolo do seu ministério sacerdotal e mirra, um símbolo da sua encaranação como homem mortal, destinado a morrer e a ser sepultado. São Bernardo, contudo, preferiu uma explicação mais terra-a-terra: o ouro seria para aliviar a pobreza de Maria e José, o incenso para perfumar o ar do estábulo e a mirra para fortalecer a saude da criança. Na arte medieval os Magos são Reis com características ocidentais, onde um deles apresenta um ar muito jovem. Depois do século XIV os reis passaram a ser representados como sendo a representação das três idades, raças e continentes.
Nesta pintura podemos observar José no meio da composição, que eleva o seu olhar para o céu. O boi, o jumentos e as ovelhas e pastores afastam-se para darem espaço aos Magos e seus séquitos. Os reis apresentam-se com os seus presentes -ouro, incenso e mirra- cujos recipientes se tornaram cada vez mais preciosos na pintura do norte da Europa. O ceptro que descansa junto aos pés de Maria e Jesus é um sinal do homenagem dos reis a um soberano mais poderoso do que eles. No chão, os azulejos são de grande qualidade, mas mostram-me partidos e desnivelados; o chão simboliza o declínio da antiga civilização, que foi restaurada e renovada pela vinda de Cristo.

Mabuse, A Adoração dos Reis, 1500-1515, Londres, Galeria Nacional
 
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